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O segundo dia do Seminário Internacional de História e Cultura Indígena começou com uma série de memórias e lembranças sobre o Índio Caboclo Marcelino, que dá nome ao evento, na Aldeia Itapoã, próximo de Olivença. O Seminário tem a cobertura de indígenas que participam dos laboratórios de apropriação de Artes e Tecnologias promovido pela Oca Digital, realizado pela Thydêwá e Cardim Soluções Integradas, com o Patrocínio da Telefonica/Vivo.
A primeira a falar foi a Cacique Valdelice, da aldeia que sedia o seminário hoje: “Marcelino sofreu muito para não entregar a nossa terra, mas infelizmente foi vencido”. A liderança desapareceu por volta do ano de 1938, após se entregar para cessar as perseguições e os maus tratos contra o seu povo. Até hoje os Tupinambá não sabem do paradeiro dele. “Tiraram tudo da gente, até o direito de viver em cima da terra que a gente pleiteia. Mas com fé em Tupã, eles não vão conseguir porque estamos resistindo há 512 anos”, completa Valdelice.
O Cacique Agebê (Alício Amaral), da Aldeia do Acuípe de Cima, rememora: “meu pai quando era vivo levava de comer para ele no Rio Cururupe. A polícia maltrava muito o Marcelino”. Seu pai saía de Olivença e andava cerca de 7km dentro do rio, por dentro d´água para não deixar rastros para a polícia.
O cacique também lembra como se deu o processo de perdas de território indígena. “A nossa terra foi tomada a troco de bebida, de mercadoria, até cabo de animal”, explica o ancião. Com o processo de retomada das terras Tupinambá, o cacique alerta, “muito cuidado meus parentes que estão morando em Retomada, porque eles estão matando e enterrando a nossa gente aqui mesmo”.
Dona Nivalda Amaral dos Santos, prima do índio Marcelino, conta como era o convívio com a liderança. “Marcelino ia para casa de minha avó, ia comer, era sempre rápido. Ela chegou a apanhar muito. Batia também, que era guerreira”. Seu nome indígena é Amotara, que significa querer bem a todos.
Marcelino não queriam que entrasse o pessoal de fora em Olivença. Lutou contra as suas forças para que não se construísse a ponte sobre o Rio Cururupe que liga Ilhéus a Olivença. Os não índios tinham interesse nas águas medicinais do Tororomba e na região e começaram a persegui-lo. “Um dia, eu vi Marcelino amarrado feito um porco. E gente que fez isso foi um delegado que casou com uma índia de Olivença”, conta a anciã.
“72 policiais pegaram ele e levaram, e ele teve de correr. E se escondeu debaixo de uma pedra na Serra próximo a Santana. Até hoje a pedra está lá”, lembra Amotara. Marcelino passou 5 anos morando debaixo desta pedra, fugindo das perseguições. Na busca pelo índio Marcelino, as torturas e maus tratos da polícia contra os indígenas eram recorrentes. “Quando não encontravam Marcelino, encontravam os parentes. Quando a polícia encontrou Duca Liberato, arrancou a unha da mão para dar a conta de Marcelino”, conta Agebê, que é o mais antigo cacique das aldeias Tupinambá da região com 77 anos de idade.
“Eles não tinham compaixão. Eu pequena vi arrancarem a unha de meu tio, espirrava sangue, mas eles não paravam”, rememora Amoatara. A perseguição era implacável e o medo constante. “Antigamente ninguém sabia ler, ninguém sabia nada. A gente vivia corrido. A casa de vovó era uma casa de palha, de taipa, era cheia de buraco. A gente dormia no junto. Ela botava um paninho, colocava a gente junto dela e dormia. Ela dizia, fiquem quietos porque a polícia está atirando. Ela criou 4 netos porque minha mãe morreu cedo”, rememora a anciã, que completa 80 anos em outubro.
Vendo o sofrimento de seu povo, o índio Marcelino resolveu se entregar. Amoatara lembra das palavras de Marcelino ao se entregar: “eu passei 5 anos debaixo de uma pedra frio, comendo peixe, assado na pedra, sem sal e sem farinha. Posso me entregar. Vou me entregar porque vocês estão judiando dos meus parentes”.
A anciã completa a sua fala, pedindo a demarcação das terras Tupinambá: “não é valentia, é lutar pelo que seu. A terra Deus deixou para todos nós viver, para todos nós plantar, colher, dar, vender para sobrevivência se quiser, se não quiser dar. Na casa de minha avó, era uma fartura, porque os índios tinham de o que dar”.
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Jornalista, poeta, pesquisador, documentarista, cineclubista e escritor. Fundador dos cineclubes Roberto Pires (Salvador/BA) e Aldire Pereira Guedes (Bauru/SP). Autor da biografia Roberto Pires, inventor de cinema, e pesquisador do projeto Memória Roberto Pires, que está promovendo a restauração e difusão do cineasta baiano. Diretor dos documentários Vila de Rondônia: Terra de Imigrantes; Seca; Garimpo; Revoltosos; e Memórias do Coronelismo. Sócio fundador da Cambuí Produções, produtora voltada para o incentivo à diversidade e respeito culturais.
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Até hoje não se sabe o paradeiro da principal liderança Tupinambá nas décadas de 1920 e 1930
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Produção colaborativa Oca Digital
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Dona Nivalda em Porancy Tupinambá no primeiro dia do seminário
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