Miniatura
Descrição
Misterioso conto do chocolate irônico.
Ela já estava lá diante dele. Depois de ter subido as escadas da grande mansão, fitava-o raivosamente com suas asas abertas em posição de ataque. Estava arquejando, passara um ano para subir as escadas, tinha ido rápido demais. Ele recuava procurando alguma coisa com as mãos para defender-se sem tirar os olhos dela, não estava agüentando a expressão e pressão dos seus olhos nos dele. Ele de pele branca, cabelos castanhos e olhos de mel. E ao franzir a testa, juntando as sobrancelhas, imobilizou-o do pescoço para baixo.
– Não tente fugir. – Disse ela.
Suspendeu-o ao ar, e ao levantar e abrir os braços, arrancou-lhe todas as roupas e pêlos do corpo, deixando-o nu realmente, um homem num estado interessante, risível e deplorável. Mas não podia matá-lo, se que ia, ali naquela mansão. Então saiu puxando-o, pelo braço, descendo os degraus, essa era a única forma de sair da mansão, descendo os degraus, e acreditem descer era mais difícil, demorava dois meses a mais que para subir. Podia-se chegar à loucura descendo, mas não subindo. Os degraus se afastavam uns dos outros, o percurso causava medo, entristecer e cansaço.
Pobre coitado, o suspense o comia, mas como podia perdoar tal traição, ele comera todos os chocolates deixando só os sem recheio para ela. Como perdoar um traidor?
Ela saiu com ele, estava exausta demais, há mais de dois anos que não via a pia de sua casa. Queria relaxar e deixou-lhe no refrigerador, não junto dos peixes, para não pegar cheiro, e antes de fechar a porta, arregalou os olhos para ele, fazendo-o sentir uma alfinetada em cada órgão do corpo. Fechou a porta. E foi fumar um cigarrinho exótico e masturbar-se para se satisfazer, na verdade, só ela se satisfazia. Só ela a fazia gozar. E sentada, pensava qual seria a punição dele.
– Cortar as unhas dos pés do vovô... Obrigar-lhe a fazer sexo com a tia Tonelada... Não. Fazê-lo escutar as piadas do tio Calvário... Definitivamente sua família era muito castigo para ele.
Chocolate era a palavra. Nos comerciais da televisão via-se o anuncio do grande martírio, convidando a todos, de hora em hora. Nos jornais, nas ruas, era o comentário: O Grande Martírio Dele. Seria inteiramente grátis. Via-se nos outdoors uma foto-montagem dela enforcando-o e o anúncio abaixo: “Não percam na próxima sexta O Grande Martírio”.
Ela o retirou do refrigerador e com um sopro deu-lhe de volta a vida. Saiu puxando-o novamente pelas ruas. E notou que ele estava excitado, com o quê não sabia, talvez com as meninas que passavam nuas na rua.
Com um emitir de som, convocava a todos daquela região, um som estrepitoso, todos que escutavam o som eram obrigados a ir, o som era hipnotizante. O som era um vício. Havia até aqueles que passavam a noite em claro, pendurados à janela, tentando escutar novamente o som. O som os fazia viçar. Não é possível descrever o som.
Ela o levou até a praça, naquela cidade qualquer tipo de manifestação acontecia na praça. Ela subiu com ele numa espécie de palanque, onde se faziam discursos. Emitiu o som novamente. E começaram a vir mais pessoas e animais. Mas não podia matá-lo agora, não antes de assistir a sua novela das oito, rapidamente paralisou todos ali, e foi para casa assistir.
Acordou no outro dia tentando lembrar-se de alguma coisa que sabia estar esquecendo. Ah! Como não? Ela iria matá-lo.
Aquela manhã não estava apropriada para O Grande Martírio, fazia-se um belo arco-íris, um céu de um azul intenso. Ontem estava bom. Então ela irisou o arco-íris e deixou um tom cinza-depois-da-chuva no céu.
Com o ambiente preparado, voltou para o palanque, desparalisou tudo.
Todos se contorciam e gemiam pareciam fazer parte de um ritual, faziam movimento exóticos, não controlavam os nervos. Ela estava provocando isso. Tinham uns coelhos que rosnavam e babavam.
Ela olhou para a platéia e fez com que todos falassem, até os animais.
– Pelos chocolates, os com recheio! – Gritavam todos.
À medida que ela se aproximava dele.
– Pelos chocolates, os com recheio!
Tiveram alguns animais pequenos que morreram, como uns pombos que não agüentaram a força dela, morreram tentando falar.
Ele estava pasmo de medo, seu corpo reluzia de tanto que já transpirara. Ela estava raivosa. Ela gostava mesmo de chocolates.
Obs.: A partir de agora leia:
FINAL I – Quem achar que ele deve morrer.
FINAL II – Quem achar que não.
FINAL IMatá-lo seria a coisa mais desejada em consciente a se fazer, todos vociferavam psicopatamente. Ela de passinho em passinho o fazia tremer e aumentar a tensão, ele já tinha urinado duas vezes. Parou na sua frente, estava ali, rosto a rosto, olhou em seus olhos e deu um ósculo nele, todos ficaram estagnados em silêncio. “Ósculo” é a palavra certa e não “beijo”. Estavam inconformados. Cadê O Grande Martírio? Só não sabiam que durante o ósculo de boca fechada, que mais parecia um “selinho”, a partir do instante que seus lábios tocaram os dele, ela o fez sentir todas as dores sentidas por quem tivesse sistema nervoso desde a criação da Terra, ele sentira isso numa só dor. Sentira tudo, as crianças que queimaram em Hiroshima, os fuzilados do Vietnã, todas as dores de cabeça, a topada que eu levei ontem, a dor dos índios que morreram, a morte dos dinossauros, todas as dores de barriga, qualquer dor sentida até aquele momento. Nossa mente é capaz de tudo menos sugerir como seria tal dor. Ela o segurou por dois segundos, mas imensamente menos que isso, ele já estava morto. Chocolate. Ela gostava mesmo de chocolates.
FINAL IIEle não tinha mais saída, não sabia o que fazer, olhava para a multidão, até que tornou-se visível, algo que seria sua salvação, que estava nas mão de uma criança, em sua embalagem argêntea, reluzia como “revelação-salvação”. Ele atirou-se do palanque e tomou-o dos braços de uma criança, chegou perto dela e mostrou o que tinha em suas mãos: Bombom recheado Salvação. Bombom Salvação. Entregou a ela que rapidamente transformou-se numa criança ainda de fraldas, engatinhando. E vários cavalos vinham na direção deles, ele rapidamente a salvou. Saíram da praça e foram pelo caminho dos pássaros, andar sem pernas, falar sem boca. Ser felizes na mansidão. Sugestivo... Profundo...
E para quem não acredita em milagres, explique-me a coincidência, como poderia ele encontrar um chocolate ali... Rá... Chocolate. Chocolate? Chocolate era a palavra.
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